
LINHAS TRAÇADAS DENTRO E FORA DO TEXTO
"O Mundo Indecifrável" é uma peça que traça linhas entre o presente e o passado, mais próximos e mais íntimos do que parecem. A autora, Luize Valente, soma em seu currículo três livros e dois documentários premiados e é pesquisadora do período histórico da Segunda Guerra Mundial, pano de fundo de seus últimos dois romances históricos. Além de escritora e documentarista, atuou como jornalista de matérias internacionais durante mais de 25 anos e cobriu, na GloboNews, a mais recente tragédia de refugiados no mundo, oriunda da Síria.
Para traçar essas linhas, a autora contou ainda com as valiosas consultorias teóricas de Guga Chacra , comentarista de política internacional do Estadão e da GloboNews em Nova York, especialista em Oriente Médio, e de Sofia Débora Levy, psicóloga pós-doutoranda em Memória Social pela UNIRIO, especialista em trauma dos sobreviventes de guerra e do Holocausto.
O premiado diretor de teatro, Gilberto Gawronski, por sua vez, apaixonou-se pela peça e aceitou o desafio de traçar essas linhas sobre as tábuas, criando os caminhos dessa proximidade / intimidade para além do texto.
Auschwitz-Birkenau, pela atriz Carolina Floare. Os trilhos de ontem (con)fundem-se com os trilhos de hoje. |

OS MUNDOS INDECIFRÁVEIS DE AMENA, KLARA E LAYAL
A crise de refugiados ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial e a que presenciamos atualmente - a maior desde então - , fundem-se através do encontro de três mulheres de três gerações diferentes: Amena Yammine, uma refugiada síria da atualidade, Klara Gabor, judia de origem romena e sobrevivente do campo de concentração nazista de Auschwitz, e Layal Al-Rayann, irmã de Amena, emigrada há muitos anos num país indeterminado do continente americano, onde o encontro acontece.
Como aportar?
Será possível pertencer a algum lugar?
E quando urge voar novamente?
Amena chega ao seu novo destino
depois de perder toda a família durante a fuga da Síria. Consegue emprego numa
livraria de uma idosa judia que descobre ser uma sobrevivente de Auschwitz. A
partir daí, as duas se tornam uma só na busca de um sentido para suas histórias, tão
próximas apesar dos setenta anos que as separam na História. Quando Layal, irmã de
Amena, descobre onde esta vai todos os dias, os
destinos de todas se transformam e o conceito de "pertencimento"
também.

POR QUE A PEÇA TEM DE SER MONTADA
O Alto Comissariado das Nações
Unidas para Refugiados (ACNUR) classificou o atual momento como um "um êxodo mundial sem
paralelo nos tempos modernos".
O número de pessoas deslocadas por causa de guerras e perseguições políticas ou
religiosas em 2014 foi o maior da série histórica iniciada em 1950, informa a
Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2014, o número de refugiados,
requerentes de asilo e das pessoas forçadas a fugir dentro de seus próprios
países ultrapassou 50 milhões pela primeira vez desde a Segunda Guerra
Mundial. E continuou a subir para quase 60 milhões de pessoas ao longo de
2015 e 2016. A Síria é a maior fonte
mundial de deslocados internos e refugiados. Ao longo dos últimos cinco
anos, o violento conflito entre as tropas leais ao presidente Bashar al-Assad e
as forças de oposição, ao qual se juntou, a partir de 2014, a ação depredadora
do Daesh, ou autodenominado "Estado
Islâmico", já provocou a
destruição de bairros inteiros e deixou 11 milhões de desabrigados e cerca de
300 mil mortos. De acordo com o ACNUR, de 2011 a 2016, quase 6 milhões de
sírios deixaram o país para pedir refúgio em países vizinhos e distantes.
Estes dados assustadores
mostram-nos que o passado não deve ser esquecido, pelo contrário, deve
iluminar-nos como um farol de alerta para que situações de desumanidade não se
repitam na História.
A situação mundial atual – na
peça representada pela personagem Amena, uma refugiada síria – deve, por
isso, levar-nos a refletir novamente sobre o horror da perseguição e do
extermínio do povo judeu durante a Segunda Guerra Mundial – na peça
representado pela personagem Klara, uma sobrevivente de Auschwitz. O
encontro das duas personagens, do presente e do passado, é desenvolvido como
uma fusão, o que, metaforicamente, incita a questionamentos sobre pertencimento e sobrevivência para além do trauma e do ódio e à vontade de
agir em prol de um futuro melhor. O que aproxima e o que afasta o Homem de si mesmo? Queremos atingir, como público, a
sociedade como um todo, porque o tema da peça é justamente a Humanidade,
e sua perversa tendência para a desumanidade – a condição humana em seus
limites – , e contribuir, assim, para uma verdadeira reflexão social,
histórica e filosófica.

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